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RESTITUTIO IN INTEGRUM: É POSSÍVEL?

                    Muitas das vezes uma das partes de uma relação (extra)contratual não dá efetivo cumprimento às suas obrigações, gerando prejuízos à parte contrária.

                    Os prejuízos podem ser de variadas ordens, a depender do negócio realizado e seu objetivo. O fato é que, infelizmente, grande parcela dos imbróglios são solucionados, apenas, com medidas judiciais, cabendo ao credor contratar advogado para reclamar seus direitos já reconhecidos por outros títulos que não judicial.

                    Imagine o leitor a situação de uma promessa de compra e venda de imóvel quitada, na qual o promitente comprador, tendo já pago integralmente o valor, ceda onerosamente os direitos a terceiro e, posteriormente, se recuse a outorgar-lhe a escritura, sem justo motivo. Imagine, ainda, que fora devidamente notificado em mora pelo cessionário e, apesar disso, mantém-se resistente à solução amigável.

                    A Lei de registros públicos – acertadamente – prevê a necessidade da continuidade dos atos notariais, com o exclusivo intuito de se garantir a mínima segurança jurídica aos proprietários e adquirentes.

                    Evidentemente, não resta outra escolha ao terceiro-adquirente senão a busca da tutela jurisdicional, tendo que contratar profissional competente e habilitado para a transferência definitiva da propriedade.

                    Esse é um exemplo dos milhares que eventualmente podemos enfrentar. É com base nisso que indago: parece razoável ou justo que o terceiro-adquirente arque com os honorários contratuais de seu causídico?

                    A possibilidade de reembolso vem prevista, de forma expressa, nos artigos 389, 395 e 404, do Código Civil de 2002, que tratam de casos de descumprimento de obrigação pelo devedor, e nos artigos 927 e 944, caput, que cuidam dos casos de responsabilidade extracontratual. Em qualquer das hipóteses, a obrigação decorre da prática de ato ilícito, previsto no artigo 186 do diploma.

                    O art. 944, do CC, é pontual: “A indenização mede-se pela extensão do dano”.

O conceituado doutrinador, Enneccerus, define o dano como:

“toda desvantagem que experimentamos em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde, honra, crédito, bem-estar, capacidade de aquisição etc.”.

E acresce:

“Como, via de regra, a obrigação de indenizar se limita ao dano patrimonial, a palavra ‘dano’ se emprega correntemente, na linguagem jurídica, no sentido de dano patrimonial”

                    Ora, o dano, em toda a sua extensão, há de abranger aquilo que efetivamente se perdeu (dano emergente), neste viés, aduz o art. 402 do CC:

“Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.

                    Entretanto, a possibilidade de reembolso não é pacífica. Alguns juízes e tribunais passaram a admiti-la; outros, não.

                    Na singela e humilde visão do advogado que subscreve, apesar das diversas divergências e entendimentos, a reparação em situações como a trazida à baila, visa tão somente a retomada do dispêndio que a parte adversa injustificada e negligentemente causou, o que refletiria no melhor Direito, prestigiando o primado da reparação integral do dano (Restitutio in integrum).

                    Esse entendimento foi fixado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça no Julgamento do Recurso Especial nº 1.134.725 – MG, onde a relatora, Ministra Nancy Andrighi, esclareceu em seu voto que o Código Civil de 2002 – nos artigos 389, 395 e 404 – traz previsão expressa de que os honorários advocatícios integram os valores relativos à reparação por perdas e danos, ponderando que os honorários citados no Código são os contratuais e não devem ser confundidos com os de sucumbência.

“Os honorários sucumbenciais, por constituírem crédito autônomo do advogado, não importam em decréscimo patrimonial do vencedor da demanda. Assim, como os honorários convencionais são retirados do patrimônio da parte lesada – para que haja reparação integral do dano sofrido –, aquele que deu causa ao processo deve restituir os valores despendidos com os honorários contratuais”.

                   Em outro julgamento (REsp 1.027.797), a Segunda Turma já havia decidido na mesma linha, considerando os honorários convencionais parte integrante do valor devido como reparação por perdas e danos.

                    Todavia, o mesmo STJ alterou tal entendimento no julgamento do REsp 1.155.527-MG, afastando a possibilidade da parte ver ressarcido os honorários contratuais.

                    É fácil constatar que navegamos em marés subjetivas e extremamente tênues, entretanto, há fortes posições favoráveis.

                    Das diversas correntes e entendimentos existentes, farei menção, aqui, a duas delas, pois ratifico sua aplicabilidade, que seria 1) a resistência injustificada e silente frente à justa pretensão da parte adversa, assumindo os riscos advindos deste ato, dentre eles o dever de reparar por todos os prejuízos experimentados dali decorrentes e, 2) o sucumbente praticante de ato ilícito que pleiteia o que não lhe era devido ou abusa de direito que lhe era lícito.

                    Em atenção ao item 1 acima, usando da situação hipotética outrora citada, havendo a procedência da ação (adjudicação compulsória, por exemplo), apesar da notificação constituindo-o em mora e da resistência imotivada da parte adversa, há pressupostos de que houve um ilícito reconhecido judicialmente, e cuja resistência obrigou o credor a ingressar em juízo, gerando assim a responsabilidade à indenização integral.

                    Já no item 2, para caracterizar o abuso de direito, deve-se constatar a ausência da boa-fé, por ser questão eminentemente ética, sendo a sua medida e quantificação de extrema dificuldade para enquadramento, e ainda visualizar o objetivo social da conduta do agente, porquanto trata-se de matéria eminentemente subjetiva.

Sobre o tema, Helena[1] expõe:

“O ilícito, sendo resultante da violação de limites formais, pressupõe a existência de concretas proibições normativas, ou seja, é a própria lei que irá fixar limites para o exercício do direito. No abuso não há limites definidos e fixados aprioristicamente, pois estes serão dados pelos princípios que regem o ordenamento os quais contêm seus valores fundamentais”.

Afirmando a função social, Jean-Louis Bergel[2] aduz,

“é oriunda do abandono do absolutismo dos direitos e da afirmação da relatividade deles, por influência das doutrinas sociais para as quais o direito e os direitos têm acima de tudo uma ‘função social’”.

No mesmo rumo, Alf Ross[3] consigna,

“Um procedimento é lícito se a liberdade para realizá-lo é compatível com a liberdade de todas as outras pessoas segundo uma regra geral”.

Continua Ross, delineando o abuso de direito asseverando que nem todos os interesses subjetivos são juridicamente protegidos,

“Esses três fatores são, então, unidos por Nelson na seguinte formulação da norma de justiça: ‘Nunca ajas de tal maneira que não aprovasses tua ação se todos os interesses afetados fossem os teus”.

                    Em nosso atual código civil, o abuso de direito é justificado à luz do artigo 187 que reza: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

                    Dessa forma, quando o exercício do direito adjetivo se afasta de sua função social, afasta-se também do próprio direito tout court, caracterizando um ato ilícito ou um exercício abusivo.

                    Vale destacar que nas matérias que se encontrarem subordinadas aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, há previsão expressa do sistema de ampla reparação dos danos causados ao consumidor (artigo 6º, inciso VI).

Neste sentido, é o posicionamento jurisprudencial:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – TRANSPORTE AÉREO – EXTRAVIO DE BAGAGEM – DANOS MATERIAIS – LIMITAÇÃO PREVISTA NO CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA E PORTARIAS DA ANAC AFASTADA – INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – REPARAÇÃO INTEGRAL – CONJUNTO PROBATÓRIO QUE POSSIBILITA PRESUMIR A EXISTÊNCIA DO PREJUÍZO MATERIAL NOTICIADO NA INICIAL – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – FIXAÇÃO DO QUANTUM – MANUTENÇÃO.RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO.1 – A reparação de danos provenientes do extravio de bagagem em transporte aéreo subsume-se às regras do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a reparação integral dos prejuízos aos consumidores, ficando, pois, elidida a aplicação dos parâmetros tarifados do Código Brasileiro de Aeronáutica e por meio de Portarias da ANAC.2 – (…). (TJPR – 10ª C.Cível – AC – 1130303-8 – Cianorte – Rel.: Luiz Lopes – Unânime – – J. 10.04.2014)

                    Portanto, hoje, a caracterização de ato ilícito gera concretos argumentos para o pleito da restituição integral do dano. Com o advento do novo Código de Processo Civil, contudo, haverá a derradeira palavra da Lei: não haverá necessidade de profundos debates, a lei haverá de ser cumprida.

[1] CARPENA, HELENA. Abuso de direito à luz do novo Código Civil. TEPEDINO, Gustavo. Coord. A Parte Geral do Novo Código Civil: Estudos na Perspectiva Civil-Constitucional,2º, RJ Renovar 2003. p. 382.

[2] BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do direito, São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 339/340

[3] ROSS, Alf. Direito e justiça. Bauru: Edipro, 2003. p. 322.

Marco Antônio Busnardo Mildemberg

OAB/SC 41.495

 

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